Virada Cultural, 2 de Maio de 2009, 22h27."Em meio a uma escadaria lotada de pessoas das mais diversas, uma garota está parada e já desistiu de checar o celular a procura da companhia, agora só espera. As músicas, pessoas e cores distraem e tudo parece sorrir quando se olha. Ela tira do bolso um maço de cigarros e acende um, fazendo poses entre fumante mafioso e cowboy, quase sem perceber. É uma garota estranha.
Ao lado dela está um homem alto, branco, com traços leves e masculinos, cabelos curtos, limpos e penteados debaixo de uma boina militar preta. Tem sobrancelhas grossas e claras, nariz reto e longo, maxilar forte, maçãs do rosto saltadas e brilhantes olhos verdes. Um rosto daquele tipo que não se vê há séculos. Usa um coturno e uma jaqueta que esconde no bolso interno seus cigarros de filtro vermelho. Ele pega um em determinado momento e encarecidamente pede o isqueiro vermelho da moça emprestado. Ela sorri e cede. Ele acende o cigarro com habilidade desnecessária e fuma como um vigilante da Gestapo entediado fumaria. A cena é um momento clássico capturado em uma fotografia velha, só que com cores, movimento e em frente ao Theatro Municipal.
Inicia-se uma conversa amena. Ela pergunta indiscretamente que tipo de segurança ele está fazendo ou porque se veste daquele jeito. Ele conta da palestra integralista em que pretende estar em quarenta minutos, fala sobre conceitos de Deus, Pátria e Família e critica as pessoas que estão pelo evento fumando maconha e bebendo. A menina segura, se recordando brevemente, a paranga que está largada no bolso das calças. Concorda com a cabeça enquanto dá outro longo trago no cigarro e olha o movimento da rua distraidamente.
Então, avista pessoas conhecidas ao longe, logo depois de toques insistentes no celular. Ele lhe dá um folheto com poemas de Plínio Salgado e Câmara Cascudo e a elogia, falando de como as mulheres brasileiras são realmente mais bonitas que outras mulheres. Ela sorri de soslaio, termina o cigarro, desce um degrau e bate continência para o rapaz, correndo até a calçada e, depois de cumprimentar os amigos, bebe no gargalo o vinho mais vagabundo e imoral que existe."