Arrumar o quarto é uma coisa curiosa. Às vezes nos deparamos com estranhos e sinceros relatos sobre o primeiro emprego...
"Hoje me deram esse envelope em branco aqui no escritório e eu fiquei com saudade dos Correios. Resolvi escrever para você. Mas fiquei imaginando o que eu poderia escrever de interessante, afinal a minha vida não está e nem é um tesão cheio de reviravoltas e acontecimentos. Atualmente eu estou sentada em uma mesa de vidro onde eu sempre analiso meus tênis sujos, atendo a telefonemas de quando em quando e desenho a vida habitual pra tentar fazer esse tempo daqui de dentro menos insuportável. E eu não estou falando sobre o tempo dentro de mim, e sim dentro dessa sala claustrofóbica, onde as pessoas passam, jogam algumas responsabilidades pessoais em cima de mim ("desmarca meu dentista", "descobre o preço da caçamba", "vai me comprar cigarros e coca-cola", "pergunta pra minha mãe se ela vai querer macarrão de janta") e eu cumpro, porque é pra isso que me pagam, embora eu tenha o título de recepcionista. Mas não houve cláusula contratual e nem um papelzinho que me diz o que eu faço exatamente pra eu assinar na frente do "x". Eu só sentei na mesa e descobri o que é trabalhar. Não que isso seja, porque eu me sinto meio pilantra arrancando 500 contos mais benefícios pra fazer coisas tão bestas, mas bem, eles que querem gastar esse dinheiro nessa função, é um problema deles.
O fato é que eu me sinto frustrada em fazer essas coisas no meu dia a dia, embora eu saiba perfeitamente que não faria coisa muito mais produtiva do que eu faço aqui por conta da minha falta de força de vontade. A verdade é que, se eu pudesse mesmo, eu passaria a tarde comendo doces na frente do computador, sairia vez ou outra pra ir ao banheiro e talvez veria um filme, e à noite eu encontraria o meu amigo mais livre em termos de responsabilidades e compromissos. Não dormiria em casa, me drogaria com alguma coisa relaxante e faria sexo pra cacete. Não é uma fantasia nobre, verdade, é talvez uma vida rasa, vazia e parasita sob algumas perspectivas, mas a vida só tem mesmo o sentido que impomos a ela, então não faria tanta diferença se eu tivesse renda e pessoas fizessem as outras coisas por mim. Mas esse é apenas o meu lado sinceramente ocioso e burro, então não leve tão a sério, eu não sou tão nojenta assim. :)
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