"O Banco.
Estou sentada no banco. Há quanto tempo, meu Deus? Eu nem me lembro mais. Apenas sei que sinto. Sinto tudo e todos a minha volta. Sinto o vento nos cabelos, nas roupas claras, nas árvores, no rosto da menina descalça, entre os dedos da velha que tricota, nas folhas secas que voam pelo ar... sinto tudo e ao mesmo tempo, nada.
Estou sentada há muito tempo. Estou sentindo o calor do sol, o cheiro doce no ar. Estou ouvindo as risadas e os gritos de alegria da menina descalça. Sua mãe bate palmas e sorri. Eu sorrio também, e é tão involuntário que escondo entre os dedos o sorriso.
Estou tão ali e tão em qualquer outro lugar longe do chão que me perco em pensamentos. Esqueço que o dia havia sido uma droga, e que outro emprego como aquele será difícil arrumar. Esqueço da briga com ele de manhã e que de noite será tortuoso agüentar comentários maldosos no aniversário da sobrinha. Esqueço de tudo. De ruim e de bom. Eu apenas vivo aquele momento absolutamente agradável. Que é apenas mais um momento. Vai acabar quando eu menos esperar. Em minutos, poucos ou muitos, pegarei do chão minha bolsa vermelha e andarei pelo asfalto duro novamente, talvez enxugando novas lágrimas.
Vivo isso com tamanha intensidade, que desejo viver assim pelo resto de meus dias. Mas eu bem sei que ainda vou rir, vou dançar, vou chorar de novo, e tudo o que eu senti aqui, sentada nesse banco, vai sumir da minha cabeça um dia.
Fico perdida por muito tempo ainda, entre o tudo e o nada, e me lembro que são 16h15 e que vou me atrasar de novo. Como sempre.
Levanto do banco, pego a bolsa vermelha, tiro os sapatos pretos e ando pelo asfalto, que agora parece macio. Vou embora assobiando, afinal eu ainda vou rir. E o episódio do banco ficará gravado, como das minhas tatuagens, a mais bonita."
(meu. antigo, mas eu ainda gosto, o que chega a ser estranho.)